sábado, 29 de outubro de 2011

Projeto Reinventado

Estrutura metálica abandonada há 17 anos na zona Leste de São Paulo é recuperada e transformada na Fatec Victor Civíta

Uma estrutura metálica abandonada há 17 anos no bairro do Carrão, zona Leste de São Paulo, foi retomada para a construção da Fatec (Faculdade de Tecnologia) Melo Freire, prevista para entrar em operação no segundo semestre deste ano. O edifício, assinado pelo escritório de arquitetura Benno Perelmutter Arquitetura e Planejamento, segue as mesmas dimensões do projeto original elaborado em 1991 para a Delegacia Seccional de Fiscalização Tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, mas teve que ser reavaliado internamente para atender às necessidades da faculdade e às normas técnicas brasileiras mais recentes.
Ao todo, o empreendimento tem 11 mil m² de área construída, sendo dividido em dois prédios: o principal, que possui dois subsolos, térreo e oito pavimentos-tipo, e o de apoio, que terá laboratórios. A edificação central possui 25 m de largura, 45 m de comprimento e 38 m de altura, além dos 6,50 m dos dois subsolos.
Originalmente, o prédio fazia parte da política de descentralização implantada pela Secretaria Estadual da Fazenda para os seus diversos órgãos de fiscalização tributária e seria utilizado para funções administrativas e para o atendimento de cerca de 300 pessoas por dia. A obra era executada pela Capital Construções e Dragagens Ltda. e fiscalizada pela Nossa Caixa. "Quando a obra chegou à quarta laje houve um conflito econômico-financeiro entre o banco e a construtora, que acabou gerando paralisação e uma longa disputa jurídica entre eles. A construção do prédio acabou não sendo retomada, e a obra ficou abandonada de 1992 a 2009", conta Benno Perelmutter, arquiteto responsável pelo projeto original e também da Fatec.
Segundo o arquiteto, em 2009, ao fazer um levantamento do patrimônio estadual em busca de terrenos disponíveis para a construção de escolas técnicas, o Governo de São Paulo, por meio do Centro Paula Souza, acabou descobrindo a edificação abandonada. "Ao entrar no mérito do empreendimento, o Centro Paula Souza descobriu que o projeto tinha sido feito pelo nosso escritório e vieram nos perguntar se a obra era passível de ser utilizada por uma escola ou uma faculdade. Como a Delegacia previa imensas áreas livres e grandes salões em cada andar, respondi que era totalmente possível e iniciamos o projeto de viabilidade da Fatec", explica Perelmutter.
A construção da faculdade ficou a cargo da Engetal e utilizou cerca de R$ 23 milhões de recursos do Governo Estadual, além de um investimento inicial de R$ 500 mil em mobiliários e equipamentos. Inicialmente estão previstos três cursos de graduação em tecnologia no local: Construção de Edifícios, Controle de Obras e Sistemas Elétricos, todos com 80 vagas divididas entre tarde e noite.
Readequações para o novo projeto
A remodelação do edifício exigiu não só a adequação dos ambientes internos, como também a revisão da conformidade do projeto original com normas técnicas brasileiras atuais. Além disso, a estrutura existente teve que ser avaliada. De acordo com o escritório de arquitetura, este trabalho ficou a cargo do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), que analisou toda a metálica, a estrutura de concreto e a pintura e entregou um relatório completo com uma série de recomendações para o reúso da estrutura, que não estava comprometida, mas precisou ser jateada, no caso do concreto, e pintada novamente, no caso da metálica.
A partir disso, os arquitetos passaram a buscar uma nova composição interna para a faculdade. A primeira mudança foi no térreo da edificação principal, que originalmente teria um mezanino e escada rolante, e serviria para atendimento à população. "Com a adaptação da Fatec, para atender ao número de alunos e ao projeto que o Centro Paula Souza precisava, nós tiramos o mezanino e, consequentemente, a escada rolante, passando de um programa aberto, de grandes salões, para um segmentado com várias salas de aula, laboratórios etc.", explica Marciel Peinado, arquiteto que também elaborou os dois projetos do edifício. Com exceção do mezanino, em termos de volumetria, toda a estrutura física e o número de pavimentos foram preservados nesse novo projeto.
Ao se perder a escada rolante e o pé-direito duplo no térreo, transformados em dois pavimentos separados, o número de elevadores teve de ser aumentado, passando de três para cinco unidades. "Antigamente, no projeto original, a maior parte do público chegaria ao térreo e iria para o mezanino, utilizando a escada rolante, para serem atendidos. Essas pessoas não subiriam aos demais andares, que seriam ocupados somente pelos funcionários. Agora não, os alunos vão para todos os pavimentos, o que necessita de mais elevadores”: explica Perelmutter.
A segunda alteração no prédio foi na fachada. No projeto da delegacia, o fechamento seria feito por uma pele de vidro espelhada que passaria atrás da estrutura metálica, como se fosse um prisma de vidro. No entanto, por questões de acústica e de normas de incêndio do Corpo de Bombeiros, a utilização do vidro foi descartada e optou-se por paredes de alvenaria nos pavimentos mais baixos e por peitoris de 1,20 m de altura acompanhados de grandes janelas nos demais andares. "Antes o prédio era um prisma limpo dentro da estrutura metálica vermelha. Agora, assim como no seu interior, a fachada ficou mais segmentada por causa de questão de acústica, pois a Avenida Radial Leste ficou muito barulhenta nos últimos anos", conta Peinado.
Os subsolos dispunham de 90 vagas para estacionamento e passaram a oferecer apenas 45, pois uma parte desses espaços será ocupada agora por áreas de apoio e de manutenção, vestiários, reservatórios, casas de bomba e depósitos. O sistema de drenagem de água foi reforçado. No projeto original, já tinham sido previstos cortinas de concreto, um poço de drenagem e um recalque da água para este fim. Agora o sistema continuará sendo adotado, só que com bombas mais potentes e um maior número de poços.
O prédio de apoio, que em 1991 seria uma creche para os filhos dos funcionários da delegacia, passará a abrigar laboratórios para os cursos na área de construção civil. Já a área externa continuará sendo formada por grandes calçadões para o acúmulo e a passagem de pedestres e estudantes. Por fim, todo o projeto de hidráulica, elétrica, telefonia e dados foram refeitos para ficarem mais modernos e também para atenderem às novas normas da distribuidora de energia Eletropaulo e da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).
Vigas Vierendeel
A estrutura metálica do edifício é projetada no sistema Vierendeel, pintada com tinta intumecente, na cor vermelha, e com os apoios de concreto revestidos com aço inox. Formada por barras horizontais e verticais que se encontram em pontos denominados nós, assim como as treliças, a viga Vierendeel funciona como se fosse um quadro rígido com todas as articulações enrijecidas. A influência de uma barra em outra provoca a diminuição nas suas deformações e, em conseqüência, nos esforços atuantes, permitindo que o conjunto possa receber um carregamento maior ou vencer um vão maior.
Cada viga é composta por duas barras horizontais, chamadas de membruras, e por barras verticais, conhecidas como montantes. A membrura superior e os montantes estão sujeitos a esforços de compressão simples, a momento fletor e a força cortante. Já a membrura inferior à tração simples, a momento fletor e à força cortante.
De acordo com Ricardo Borges Kerr, calculista da Gerpro Engenharia, no caso da Fatec Melo Freire as vigas da periferia suportam cargas de dois pavimentos: o pavimento inferior descarrega no banzo inferior da viga e o pavi-mento superior no banzo superior. "Esta solução adotada confere mais rigidez à estrutura como um todo, diminuindo as deformações, com menor consumo de materiais”: explica.
Por exigir nós rígidos, recomenda-se no sistema Vierendeel a utilização de materiais que facilitam a execução desses vinculos no sistema. Por isso, o aço é o mais indicado, principalmente se for adotado com seção tubular retangular, como no caso deste empreendimento.
"A estrutura Vierendeel tem a característica de ter a altura de um pé-direito e, com isso, tem-se um pavimento estruturado, com a estrutura metálica seguindo a sua altura e acompanhando todo o seu perímetro, e um andar sem essa estrutura. Nesses pavimentos de intervalo não existe nem pilares centrais, sendo totalmente livre”: afirma o arquiteto Marciel Peinado. "Esse sistema foi bom porque liberou, na época do projeto para a delegacia, espaços livres fantásticos e altamente dinâmicos. Sem contar que há 20 anos a estrutura metálica não tinha esse apelo que tem hoje e pouquíssimos prédios tinham sido executados dessa maneira”: completa.
Além das vigas Vierendeel, a Fatec está estruturada em três pilares redondos que percorrem o lado externo da fachada e nas torres de escadas e de elevadores, que estão posicionadas do lado oposto. Para os outros dois lados do edifício, a estrutura está em balanço.
Etapas construtivas
A construção da Fatec Melo Freire teve seu início com a etapa mais crítica. Quando a obra foi paralisada, em 1992, só a fundação, os subsolos e parte da estrutura metálica, das torres de escadas e da torre de elevadores, tinham sido executados. Apesar de ter chegado ao quarto andar, nenhuma laje foi concretada e a obra ficou a céu aberto durante os 17 anos. "Tivemos muitos problemas no começo da obra porque os dois subsolos estavam completamente inundados. Foi preciso ficar quase 20 dias drenando a água e fazendo a limpeza do local para iniciarmos a montagem do canteiro", conta Hamilton Pacífico da Silva, diretor do departamento de obras do Centro Paula Souza.
Em paralelo, estavam sendo desenvolvidos alguns projetos de união da estrutura antiga e da estrutura nova, além de outros detalhes executivos. "Foi preciso desenvolver um projeto específico para a ligação entre as duas estruturas e, com isso, perdemos quase três meses de obra", lembra o engenheiro. "Acabamos fazendo em solda mesmo, porque era a solução mais rápida e simples de ser executada", completa.
A obra teve início com a limpeza mecânica e química da estrutura metálica existente e seguida para a soldagem das novas vigas Vierendeel. "A estrutura foi fabricada em uma empresa específica, fora do canteiro de obras, e trazida em carretas de grande porte. Ao chegarem ao local, guindastes içavam a estrutura e as posicionavam para a soldagem”: detalha Pacífico. Os pilares de concreto frontais já estavam prontos e a construção das novas torres de elevadores foi feita com concreto armado convencional.
Em seguida, partiu-se para a execução da laje em steel deck. O procedimento foi o mesmo para todos os andares. O primeiro passo foi fixar os painéis à estrutura com solda comum. Depois, montou-se a fôrma de aço soldando os conectores do tipo stud bold às vigas. Então foi feita a instalação das armaduras adicionais das lajes e, por fim, o lançamento do concreto.
Com as lajes prontas, a obra seguiu para a execução da fachada em alvenaria e para a colação das esquadrias. "Depois de fazer o fechamento externo com alvenaria de bloco comum - utilizamos tanto de concreto, quanto de cerâmica e até mesmo o grauteado - iniciamos as instalações elétricas, hidráulicas e de ar-condicionado e os revestimentos de um modo geral", afirma Hamilton Pacífico da Silva. Parte do revestimento das fachadas é feita com massa pintada e parte com pastilha cerâmica.
Em paralelo à construção do prédio principal, o edifício de apoio, que abrigará os laboratórios, também foi sendo executado. A estrutura é metálica, com fechamento em blocos e cobertura de telhas metálicas.
Vale lembrar que a fundação do prédio principal já estava pronta na retomada da obra e não demandou nenhum reforço estrutural. Em 1992, o sistema foi projetado em dois elementos: no subsolo, eram paredes diafragma pré-moldadas de concreto com 1.766 m² de painéis e, abaixo, fundação em barretes de 30 m de profundidade de escavação, que consumiu, segundo os arquitetos, cerca de 35 t de aço e 650 m³ de concreto.
Resumo
Fatec Victor Civíta
Local: Avenida Melo Freire com a Rua Antonio de Barros e Pedro Belegarde, bairro do Carrão - São Paulo
Cliente: Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza
Construção: Engetal Engenharia e Construções
Projeto Arquitetônico: Benno Perelmutter Arquitetura e Planejamento
Área do terreno: 2.124,22 m²
Área construída: 11.859,54 m²
Início da obra: novembro de 2009
Início do funcionamento: segundo semestre de 2011
Ficha técnica
Construção: Engetal Engenharia e Construções;
Projeto de arquitetura, fachadas e esquadrias: Benno Perelmutter Arquitetura e Planejamento;
Projeto de estrutura de concreto e metálica: Gepro Engenharia;
Estrutura metálica: BMC Construções Metálicas;

Reportagem: Ana Paula Rocha
Fotos: Marcelo Scandaroli
Divulgação Benno

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